A
superlotação dos transportes públicos na cidade de Aracaju faz com que
os usuários fiquem cada vez mais vulneráveis ao “espreme-espreme” uns
nos outros em busca de espaço e mais submissos ainda as famosas “mãos
bobas”, nem um pouco bobas, sussurros indecentes e encostadas
propositais que acontecem em meio ao caótico balanço dos ônibus. Tais
atitudes não são raras e causam vítimas, em sua maioria mulheres,
silenciadas pela vergonha e julgamento da sociedade. De acordo com o
Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), nos períodos de
2015 a 2016, o órgão teve 33 boletins de ocorrência registrados e
nenhum deles resultou na apreensão do agressor, por falta de descrição
física pelas vítimas.
Usuária
do transporte público desde a adolescência, a técnica em enfermagem
Emanoelle Santos, 26, já foi vítima duas vezes desse tipo de investida
em transportes públicos, na cidade de Aracaju. A primeira vez aconteceu
quando pegava diariamente a linha Augusto Franco/ Bugio para ir à escola
e foi perseguida por um homem mais velho, aparentando ter uns 40 anos.
“No último dia que isso aconteceu estava chovendo e em meio a tanta
perseguição não hesitei em meter o guarda chuva nas partes dele. Fiquei
aflita e não contei para ninguém, pois tinha medo de que algo ruim
acontecesse comigo”, disse.
Já
a assessora geral de programas e sistemas, Sandra Santos Oliveira, 44,
usuária de ônibus desde os 12 anos, além de já ter sido vítima de mãos
bobas algumas vezes, de reagir às violências e até mesmo tentar
denunciar o agressor, também já viu uma garota no transporte ser acuada
por um homem mais velho, porém, lamentou a falta de ação da população
que sabia o que estava acontecendo no ônibus e não reagiu para ajudar a
jovem. “O motorista não foi para delegacia, fizeram de conta que não era
com eles (os passageiros) e no final das contas quem ficou constrangida
foi a menina. Então, esse constrangimento, essa falta de apoio da
sociedade é que contribui para que não haja as denúncias”, relata.
''O fato de usar um short curto ou uma saia não dá o direto dos homens assediarem as mulheres'', enfatizou Sandra. |
Sociedade
A
cultura brasileira por si só é machista, patriarcal e nos dias atuais
banaliza a violência contra a mulher. De acordo com uma pesquisa feita
pela campanha Chega de Fiu Fiu, lançada em 2013 pelo
projeto feminista “Think Olga” - criado pela jornalista paulista Juliana
Farias - foi feito um levantamento estatístico com 7.762 participantes,
a fim de ouvir sobre os diferentes tipos de violência sofridos pelas
mulheres nas ruas de São Paulo. O resultado foi assustador, apontando
que 99,6% delas já foram assediadas, sendo que aproximadamente 4.968
mulheres declararam já ter sofrido algum tipo de assédio em
transportes públicos, o que equivale a 64% do total de entrevistadas.
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Fonte: Think Olga |
Diferença entre importunação e assédio sexual
Muitas
vezes, de forma errônea, algumas práticas da violência contra mulher
são tratadas como assédio, porém nem tudo pode ser classificado como tal
e há suas diferenças que a população deve se atentar ao comentar sobre o
assunto. “O assédio sexual é quando há a questão da hierarquia entre o
agressor e a vítima, por uma questão de superioridade, ou seja, ele
intimida a vítima para tentar a satisfação sexual. E importunação
ofensiva é quando o agressor de forma obscena e que ultraja a dignidade
sexual da vítima, tenta importuná-la”, explica a delegada Thaís Lemos.
Leis
Quando
se comenta sobre violência contra mulher, a primeira e mais famosa lei
que vem à cabeça da sociedade é a lei “Maria da Penha”, porém, no caso
específico da violência sofrida em transportes públicos essa lei não
pode ser aplicada para interferir na prática do crime. “A lei se aplica
nos crimes de ambiente doméstico, familiar e nas relações íntimas de
afeto, então precisa ter um vínculo familiar, doméstico, íntimo ou
afetivo entre agressor e vítima. E no caso do agressor da importunação
ofensiva ao pudor, não tem nenhum desses tipos de vínculos com a
vítima”, esclarece a delegada. Porém, ainda de acordo com ela, há o
artigo 61, da Lei das Contravenções Penais, que determina uma
sanção para esse tipo de prática e encaminha esse processo para o
Juizado Especial Criminal (órgão da Justiça que julga infrações penais
de menor potencial ofensivo).
Como denunciar
De
acordo com Thaís Lemos, nesses casos a denúncia tem que ser presencial,
não pode ser feita pela internet. “A ocorrência é registrada na
delegacia onde a vítima será ouvida, o agressor também será ouvido e
tendo testemunhas, nós as ouviremos também. Feito isso, encaminhamos
tudo ao juizado especial criminal, que ficará responsável por julgar o
crime”, orienta a delegada. Porém, mesmo assim, muitas mulheres devido
ao medo, ao julgamento e a exposição ainda não se sentem seguras para
falar sobre o que às aconteceu. “Como se trata de um crime de menor
potencial ofensivo, não há prisão do agressor em flagrante, muitas
vítimas se desestimulam em comparecer à delegacia. Até porque temem em
ficar na presença do agressor e não querem levar adiante um processo,
que sabem que a pena é pequena. Mas eu acho que elas não devem ficar
desestimuladas por isso, porque assim darão um limite e vão frear esse
excesso de abuso desse homem”, Thaís Lemos, delegada do DAGV dá sua
opinião sobre quais os possíveis motivos para não haver tantas
denúncias.
Como evitar
Não
existe uma forma exata para que uma mulher escape por si só de ser
importunada. A realidade, infelizmente, é que qualquer atitude vinda da
mulher pode chamar a atenção do homem, desde a cor do batom, o que veste
e até mesmo o modo como se comporta dentro do transporte público. Para
Sandra Oliveira, a situação é complexa demais para a própria mulher
lidar com a situação. “Algumas sofrem caladas, mas devemos constranger o
agressor, por que quando nos calamos, passamos a mensagem errada e
ele sente a vontade para continuar fazendo isso com outras mulheres
também”, considera. Porém, nem sempre só constranger pode evitar. “Mais
divulgação sobre o tema nos coletivos vai inibir os agressores e
incentivar as vítimas a denunciarem”, declara Sandra.
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