Páginas

domingo, 20 de novembro de 2016

Superlotação em ônibus causa vítimas silenciosas em Aracaju

Em um ano foram registradas 33 denúncias de violência contra a mulher em transportes públicos



A superlotação dos transportes públicos na cidade de Aracaju faz com que os usuários fiquem cada vez mais vulneráveis ao “espreme-espreme” uns nos outros em busca de espaço e mais submissos ainda as famosas “mãos bobas”, nem um pouco bobas, sussurros indecentes e encostadas propositais que acontecem em meio ao caótico balanço dos ônibus. Tais atitudes não são raras e causam vítimas, em sua maioria mulheres, silenciadas pela vergonha e julgamento da sociedade. De acordo com o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), nos períodos de 2015 a 2016, o órgão teve 33 boletins de ocorrência registrados e nenhum deles resultou na apreensão do agressor, por falta de descrição física pelas vítimas.

"Mais de 86% das brasileiras já foram vítimas de assédio em espaços públicos, segundo levantamento da ONG ActionAid. Tendo o transporte público como lugar que elas mais temem sofrer esse tipo de abordagem indesejada"


Usuária do transporte público desde a adolescência, a técnica em enfermagem Emanoelle Santos, 26, já foi vítima duas vezes desse tipo de investida em transportes públicos, na cidade de Aracaju. A primeira vez aconteceu quando pegava diariamente a linha Augusto Franco/ Bugio para ir à escola e foi perseguida por um homem mais velho, aparentando ter uns 40 anos. “No último dia que isso aconteceu estava chovendo e em meio a tanta perseguição não hesitei em meter o guarda chuva nas partes dele. Fiquei aflita e não contei para ninguém, pois tinha medo de que algo ruim acontecesse comigo”, disse.



Já a assessora geral de programas e sistemas, Sandra Santos Oliveira, 44, usuária de ônibus desde os 12 anos, além de já ter sido vítima de mãos bobas algumas vezes, de reagir às violências e até mesmo tentar denunciar o agressor, também já viu uma garota no transporte ser acuada por um homem mais velho, porém, lamentou a falta de ação da população que sabia o que estava acontecendo no ônibus e não reagiu para ajudar a jovem. “O motorista não foi para delegacia, fizeram de conta que não era com eles (os passageiros) e no final das contas quem ficou constrangida foi a menina. Então, esse constrangimento, essa falta de apoio da sociedade é que contribui para que não haja as denúncias”, relata.

''O fato de usar um short curto ou uma saia não dá o direto dos homens assediarem as mulheres'', enfatizou Sandra.

Sociedade

A cultura brasileira por si só é machista, patriarcal e nos dias atuais banaliza a violência contra a mulher. De acordo com uma pesquisa feita pela campanha Chega de Fiu Fiu, lançada em 2013 pelo projeto feminista “Think Olga” - criado pela jornalista paulista Juliana Farias - foi feito um levantamento estatístico com 7.762 participantes,  a fim de ouvir sobre os diferentes tipos de violência sofridos pelas mulheres nas ruas de São Paulo. O resultado foi assustador, apontando que 99,6% delas já foram assediadas, sendo que aproximadamente 4.968 mulheres declararam já ter sofrido algum tipo de assédio em transportes públicos, o que equivale a 64% do total de entrevistadas.

Fonte: Think Olga



Diferença entre importunação e assédio sexual

Muitas vezes, de forma errônea, algumas práticas da violência contra mulher são tratadas como assédio, porém nem tudo pode ser classificado como tal e há suas diferenças que a população deve se atentar ao comentar sobre o assunto. “O assédio sexual é quando há a questão da hierarquia entre o agressor e a vítima, por uma questão de superioridade, ou seja, ele intimida a vítima para tentar a satisfação sexual. E importunação ofensiva é quando o agressor de forma obscena e que ultraja a dignidade sexual da vítima, tenta importuná-la”, explica a delegada Thaís Lemos.


Leis

Quando se comenta sobre violência contra mulher, a primeira e mais famosa lei que vem à cabeça da sociedade é a lei “Maria da Penha”, porém, no caso específico da violência sofrida em transportes públicos essa lei não pode ser aplicada para interferir na prática do crime. “A lei se aplica nos crimes de ambiente doméstico, familiar e nas relações íntimas de afeto, então precisa ter um vínculo familiar, doméstico, íntimo ou afetivo entre agressor e vítima. E no caso do agressor da importunação ofensiva ao pudor, não tem nenhum desses tipos de vínculos com a vítima”, esclarece a delegada. Porém, ainda de acordo com ela, há o artigo 61, da Lei das Contravenções Penais, que determina uma sanção para esse tipo de prática e encaminha esse processo para o Juizado Especial Criminal (órgão da Justiça que julga infrações penais de menor potencial ofensivo).

Como denunciar

De acordo com Thaís Lemos, nesses casos a denúncia tem que ser presencial, não pode ser feita pela internet. “A ocorrência é registrada na delegacia onde a vítima será ouvida, o agressor também será ouvido e tendo testemunhas, nós as ouviremos também. Feito isso, encaminhamos tudo ao juizado especial criminal, que ficará responsável por julgar o crime”, orienta a delegada. Porém, mesmo assim, muitas mulheres devido ao medo, ao julgamento e a exposição ainda não se sentem seguras para falar sobre o que às aconteceu. “Como se trata de um crime de menor potencial ofensivo, não há prisão do agressor em flagrante, muitas vítimas se desestimulam em comparecer à delegacia. Até porque temem em ficar na presença do agressor e não querem levar adiante um processo, que sabem que a pena é pequena. Mas eu acho que elas não devem ficar desestimuladas por isso, porque assim darão um limite e vão frear esse excesso de abuso desse homem”, Thaís Lemos, delegada do DAGV dá sua opinião sobre quais os possíveis motivos para não haver tantas denúncias.



Como evitar

Não existe uma forma exata para que uma mulher escape por si só de ser importunada. A realidade, infelizmente, é que qualquer atitude vinda da mulher pode chamar a atenção do homem, desde a cor do batom, o que veste e até mesmo o modo como se comporta dentro do transporte público. Para Sandra Oliveira, a situação é complexa demais para a própria mulher lidar com a situação. “Algumas sofrem caladas, mas devemos constranger o agressor, por que quando nos calamos, passamos a mensagem errada e ele sente a vontade para continuar fazendo isso com outras mulheres também”, considera. Porém, nem sempre só constranger pode evitar. “Mais divulgação sobre o tema nos coletivos vai inibir os agressores e incentivar as vítimas a denunciarem”, declara Sandra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário